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Esta altura de Natal deixa-me chateado. Vocês dizem: "epá, não fiques assim só por causa que a Adele lançou um disco". Podia ser, mas não é por isso. Nem devido ao senhor da pastelaria aqui da esquina ter sido multado ao ser apanhado a gamar um pinheiro. Eu disse-lhe: "vizinho, dois manos entrarem de furgão numa propriedade alheia, e começarem a serrar árvores dá um bocado nas vistas…Só faltava levarem sirenes…". Eu ri-me para quebrar o gelo e ele: "é pão que quer"? Ele ficou assim a olhar para mim, eu calei-me e acenei que sim timidamente. Pela maneira que me olhou, se eu desaparecer, vão a casa dele e escavem-lhe o quintal.
Também não é por causa da violência que assistimos na televisão na noite de Natal. Não estou a falar dos filmes, atenção. Como é óbvio estou a falar dos discursos do Cavaco. Já era tempo de o Exterminador Implacável voltar a ser o Arnold Schwarzenegger. Ainda assim, a parte do Cavaco falar a mastigar um marshmallow imaginário e sorrir involuntariamente, é a última prenda de Natal do Presidente ao povo. Depois, é a derradeira comunicação de Cavaco, o que só por si já nos deixa aquele quentinho.
No entanto o sôr Silva, e aqui temos de dar a mão à palmatória, foi um dos principais promotores de recuperarmos o verdadeiro espírito natalício. Ao apoiar medidas que fomentaram o desemprego e os vários cortes nos rendimentos dos portugueses, estimulou que a abertura de prendas na casa da esmagadora maioria das famílias portuguesas demore menos tempo que o Aníbal acordado depois da Maria lhe dar o xarope da noite, obrigando-os a virarem-se para o amor.
Mas na realidade o que me começa a deixar mesmo irritado com o aproximar do Natal….são os lesados do Natal. Os lesados do Natal são por norma indignados profissionais. Os que precisam pelo menos de uma indignação diária para manterem o equilíbrio. São aqueles que não vão votar nas eleições e queixam-se que isto está mau. Um lesado do Natal pode indignar-se 5 ou mais vezes ao dia no facebook; é "Charlie"; vai contrariado ao Black Friday", mas faz um post indignado com o consumismo em que vivemos, porque demorou 4 horas a pagar uns calções de ciclista, um centro de mesa em inox, e uma chave de rodas; tudo a metade do preço. O indignado do Natal é contra o acordo ortográfico, dizendo com ironia que facto passou a escrever-se "fato", e espectador passou a escrever-se "espetador", quando continua a escrever-se "facto" e "espectador". O lesado do Natal indigna-se sem dar por isso. É um "toxicodependente" que começa a "consumir" numa caixa de comentários até ficar "agarrado" e passar a fazer posts próprios.
Um lesado do Natal é contra ou não comemora o Natal porque o Natal é hoje "uma época consumista".
Um indignado do Natal ainda não interiorizou que é livre para receber ou comprar prendas, ou para comemorar o Natal. Ou que pode perfeitamente passar o Natal com a família e a meia noite simplesmente a abraça-la, sem abertura de prendas. O Natal cada um passa-o como quer e somos nós que o fazemos mais ou menos "consumista". Antes de nos indignarmos com o que se passa à nossa volta, talvez seja interessante indignarmo-nos primeiro connosco. A nós temos capacidade de nos mudar, aos outros é praticamente impossível. E é mais fácil. E se muitos mudarmos, o mundo muda.
O meu Natal há muitos anos é terrivelmente consumista ao nível do amor. Nunca chega. Ter a "malta" à roda da mesa, chega-me, e nunca sobra. A prenda que recebo no Natal além do amor, são os 3 quilos que ganho entre o sofá e a mesa - e as flanelas. Cada vez menos, é um facto.
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